Ciência e Ensino de Ciências
Esse título é muito interessante. Desde que comecei a dar aulas de Ciências em 1986 venho trabalhando essa ideia e é claro que ela se alterou ao longo desses 28 anos de docência.
No início, Ciência e Ensino de Ciências eram a mesma coisa. Mas, conforme fui amadurecendo na minha profissão comecei a ver a diferença. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
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| Lavoisier em seu laboratório, movido pela curiosidade tenta comprovar as suas hipóteses. Fonte: http://web.ccead.puc-rio.br/condigital/mvsl/linha%20tempo/Lavoisier/img/lavoisier.jpg |
Essa diferenciação iniciou com uma pergunta clássica, o que é Ciência? O que ensinamos?
A coleção História da Ciência da Universidade de Cambridge, mostra que o fazer científico é diferente do fazer que propomos aos nossos alunos. O tempo que este ou aquele conceito levou para ser construído pela humanidade é diferente do tempo disponível na escola. O trabalho de construção do conceito não é obra deste ou daquele cientista, mas o resultado de um pensar e repensar de vários pesquisadores. Será que sem Galileu, Newton, Kepler e outros Einsten teria chegado a teoria da relatividade?
Por muito tempo a Ciência afirmava que o baço e as tonsilas seriam vestígios evolutivos e sem nenhuma função no corpo humano. Depois, se verificou que esses órgãos teriam relação com a resistência imunológica. O conhecimento científico não é inquestionável, nem eterno.
Os exemplos que ele utiliza são muito claros e fáceis de compreender. Eles nos fazem repensar esse tipo de conhecimento que não é melhor nem pior que os demais, apenas diferente. Essa diferença reside no que o caracteriza, nas suas especificidades como:
Contradições: a Ciência não convive pacificamente com explicações diferentes para o mesmo fenômeno.
Terminologia: utilizada pela Ciência para expressar conceitos. Ex: fotossíntese, heliocentrismo etc.
Independência do contexto: a Ciência procura generalizar explicações em diferentes contextos.
Interdependência conceitual: os novos conceitos científicos são elaborados a partir de conceitos e conhecimentos anteriores.
Socialização: promove o debate de ideais, a crítica, a refutação ou comprovação das ideias.

A História da Ciência é muito importante para nós professores, ela nos faz refletir sobre a Ciência e seus rumos. Por exemplo, para ilustrar essas especificidades do conhecimento científico o debate entre os cientistas Luigi Galvani e Alessandro Volta é ótimo. Esses dois grandes cientistas do século XVIII, um médico e outro físico, após seus estudos chegaram a duas interpretações diferentes para o mesmo fenômeno e gerou um marcante debate de ideias.
Veja no pequeno vídeo produzido pela Centre National de la Recherche Scientifique o fenômeno que gerou a polêmica:
Luigi Galvani acreditava na bioeletricidade, um tipo diferente de eletricidade até então conhecida, a produzida pelo atrito. Volta refez os experimentos realizados e publicados por Galvani e depois de muita reflexão concluiu que essa tal de bioeletricidade, gerada pelos animais, poderia ser reproduzida pelo contato entre metais e um condutor de segunda classe (hoje mais conhecido como eletrólito). Desses testes surgiu a pilha.
Então, a contradição não pôde conviver pacificamente. A existência de termos para definir conceitos. A busca pela generalização em diferentes contextos. A interdependência conceitual e a socialização marcam esse fato histórico.
Essas reflexões me levaram a acreditar que a Ciência pode ser pensada enquanto produto - princípios, teorias e explicações. Mas, ela não se reduz a isso. Esse conhecimento passou por um processo de construção, desconstrução e reconstrução. Um processo de várias mentes e mãos, com interesses diferentes. A Ciência nessa perspectiva, vista como processo, é movida não só pela simples curiosidade. Daí, vem a provocação do historiador da ciência Shozo Motoyama:
Diante do quadro contraditório do mundo de hoje, carregado de tintas negras, torna-se necessário interrogar o papel e o significado da ciência. Será ela realmente, como querem alguns intelectuais de tendências místicas, a principal responsável pela opressão e miséria existente em todo o planeta? Ou será a esperança de uma sociedade verdadeiramente democrática como apregoam alguns cientistas sonhadores?
Dessa forma, não ensinamos a Ciência em si. Mas, na maioria das vezes apenas um recorte do produto dela. Poucas vezes ensinamos o processo dela. Além disso, a finalidade desse ensinar não é o mesmo daquele que originou o produto ou o próprio processo da Ciência.
Para finalizar esse longo texto e polemizar, o cientista não investiga para passar de ano, para fazer provas ou mesmo faz lição de casa para mostrar ao professor. Isso é coisa de escola e por isso me sinto realizado e tão importante quanto todos os cientistas que transitam E transitaram pela minha sala de aula. Não formo cientistas, apenas procuro criar a possibilidade de meu aluno interagir melhor com esse mundo tecnológico e científico.
Alfonso Gómez Paiva

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